007 Contra Spectre

- por Rodrigo S. Pereira

Passados há poucos dias o Halloween e o Dia de Finados, a luxuosa introdução de Spectre na festa do Día de Muertos na Cidade do México oferece uma familiaridade inusitadamente importante. A sequência sinaliza como James Bond (Daniel Craig) vive em um mundo tão próximo ao nosso, e, ao mesmo tempo, totalmente desconectado. Vestido de esqueleto de início, o agente do MI6 não parece menos fantasiado ao se revelar num de seus discretamente extravagantes ternos. Caminhando acima dos cidadãos comuns, com toda a certeza e autossuficiência do mundo, James Bond desencadeia a abertura mais explosiva desde o reboot da franquia com Casino Royale (2006). Com direção novamente assinada por Sam Mendes, Spectre tem muito menos requinte que Skyfall (2012), o que num palpite associo à troca dos veteranos Roger Deakins (diretor de fotografia que dispensa apresentações) e Stuart Baird (editor, inclusive de Casino Royale) respectivamente pelos respeitáveis Hoyte Van Hoytema e Lee Smith, que dentre os grandes títulos em seus currículos compartilham Interstellar (2014), o que não significa que fizeram aqui um mau trabalho.

O personagem, que fora retrabalhado nestes últimos filmes para um 007 menos experiente e mais sisudo, vai assumindo ao longo de Spectre suas características clássicas, sendo mais sedutor e cômico, apegado às gadgets criativas de Q (Ben Whishaw) e expressando volta e meia seu fascínio por carros. Pessoalmente, a franquia nunca me atraiu até o mencionado reboot, e estas sutis transformações esclarecem o porquê. Bond tem que responder por sua suposta autoridade enquanto agente secreto (o poder de juiz, júri e executor que compartilha com grande parte dos super-heróis), seus métodos violentos e frequentemente irresponsáveis e sua misoginia (apontada pelo próprio Daniel Craig em entrevista para The Red Bulletin). Apontar estes questionamentos parece negativo, e não deveria ser, o que é o cerne da estranheza de Spectre. O roteiro escrito a oito mãos e acompanhado de perto por Sam Mendes e Daniel Craig é “mais que redondo”, é convoluto.


A trama do agente renegado perseguindo sozinho um inimigo inexplicavelmente poderoso já soa velha por si, e isso se desenvolve para uma jornada pessoal, um triângulo de vendettas que esforçadamente conecta os quatro filmes, com rostos marcantes dos títulos anteriores sendo utilizados desde os créditos iniciais embalados por Sam Smith em sua Writing's On The Wall. Sequência esta com direito a corpos sensuais inflamados, fetiche sexual por polvos e fumaça o bastante para prenunciar o quão sombrio e elusivo é o “novo” vilão interpretado por Cristoph Waltz (as aspas, infelizmente, são importantes). O programa 00 é acusado de ser pré-histórico pelo rapidamente antagonizado novo C (Andrew Scott), que defende a vigilância total e uso de drones para lidar com ameaças externas (“O pesadelo de George Orwell”, segundo o M de Ralph Fiennes). Como são dois extremos da questão dos serviços de inteligência, o filme anda sobre uma corda bamba, questionando seu protagonista ao mesmo tempo que se encaminha para uma defesa de suas atividades. Os personagens secundários que orbitam Bond têm um espaço aparentemente incomum para os padrões da franquia, e eles também não perdem tempo em criticar o agente repetidas vezes. O filme fica entre uma autoconsciência interessante e um efetivo cansaço ou desgosto com o mundo de 007. São tantas facas de dois gumes que é difícil precisar para o agrado de quem ele foi feito. O fã de 007 tem tudo, as mulheres, a extravagância, os carros, as gadgets, o bom humor, ao mesmo tempo que vários destes pontos são problematizados nesta possível conclusão da trajetória deste James Bond. O filme é corajoso ao questionar, ou covarde ao não tomar uma posição clara? O questionamento é menos válido por vir de um vilão, por exemplo?

Sempre um caso discutível na franquia, as personagens femininas oferecem uma grande confusão em Spectre, da perigosamente esquecível participação de Monica Belucci, a viúva interrogada e sexualmente consolada por Bond, ao confronto com o monstruoso antagonista interpretado por Dave Bautista, em que a Bondgirl Madeleine Swann (Léa Seydoux) repetidamente se engaja na luta apenas para ser em seguida descartada como fosse uma inofensiva boneca de pano. O mais estranho no filme – mas, pasmem, não o mais forçado – é o romance que brota entre Madeleine e Bond a partir daí. Tal como Moneypenny (Naomie Harris) – que difere da personagem original de Ian Fleming, “secretamente” apaixonada pelo agente – a srta. Swann, de início, parecia muito satisfeita em por James Bond em seu lugar, longe de si. Assim, sua entrega ao agente vem com alguma surpresa (?). O desenvolvimento e desfecho do tal romance, contudo, apresenta algum rastro de solução para a dicotomia da narrativa.

007 Contra Spectre (★★★)
Sam Mendes, Reino Unido/Estados Unidos, 2015
IMDB ROTTEN FILMOW

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