O Melhor de 2014


Na bucket list de satisfações cinéfilas, o prazer de ter visto "todos os filmes do ano" figura nos lugares mais altos, já que é um objetivo relativamente complicado de se alcançar. 2014, em especial, foi um ano muito animado para a nossa incompreendida classe. Desde autores se inventando e reinventando, até filmes que ousaram destruir qualquer lógica estética ou narrativa que alguém tentasse impor sobre eles, este ano foi um ano de cinema, como há muito não se via. E aqui tento comentar quais desses filmes fizeram o meu ano, através da maneira mais deliciosamente brega que pude imaginar: uma premiação. Esses são os vencedores do Pipo Awards 2014.

-Melhor Filme
De tantos eventos estranhos que aconteceram nas telas esse ano -e por estranho eu quero dizer coisas como uma Scarlett Johansson alienígena, um Xavier Dolan relativamente comedido, ou mesmo um Gérard Depardieu senil murmurando frases ininteligíveis-, as imagens que mais me envolveram foram, novamente as de Joe Swanberg. Repetindo a parceria com Anna Kendrick depois do querido Um Brinde à Amizade, Joe fez um filme ainda mais íntimo, que se passa literalmente em seu seio familiar, o que não é propriamente novo na obra do diretor, mas aparece como o primeiro momento em que sua nova persona, mais aberta para uma lógica narrativa convencional, se une tão ferozmente ao seu primeiro cinema, mais artesanal e minimalista. Kendrick, Lynskey, e o poder que emana de seus rostos em cada atitude, cada passo, cada palavra, são claramente obra de uma criação muito delicada, que se debruça sobre a dúvida do que de fato significa "ser alguém". Swanberg já pode ganhar a coroa de melhor e mais ignorado autor do cinema americano.
4 - Mommy
6 - Balada de Um Homem Comum
8 - Bem-Vindo a Nova York
9 - Mesmo Se Nada Der Certo
10 - Nós Somos as Melhores

Menções Especiais
Avanti Popolo
A Caçada
O Homem Duplicado
Amantes Eternos
O Lobo Atrás da Porta
Operação Invasão 2
O Congresso Futurista
Uma Noite Para Esquecer
Duna de Jodorowsky

-Melhor Filme Sem Lançamento Comercial
É possível que a maioria dos títulos listados abaixo veja a luz das telas ou de um lançamento em home vídeo no próximo ano -exceto talvez por Nova Dubai, e sua complicada condição de média-metragem-, o que infelizmente não deve ser o caso de A Misteriosa Morte de Pérola. Certamente o melhor dos trabalhos já realizados pelo coletivo cearense Alumbramento, o filme de Guto Parente e Ticiana Augusto Lima é sobre memória, erotismo, aprisionamento e liberdade. Ele se apropria de Franju, Polanski, Brisseau, e ainda nesse amontoado de referências se faz um filme de cinema, inteiro e vivo. Tivesse de fato sido lançado comercialmente, estaria no topo da minha lista principal.
2 -Nova Dubai
4 - Ela Volta Na Quinta
5 - Sinfonia da Necrópole
6 - Blue Ruin
7 - Acima das Nuvens
8 - Branco Sai, Preto Fica
9 - Dois Dias, Uma Noite
10 - A Gangue

-Melhor Curta Metragem
Do já vasto e bem construído universo cinematográfico do cearense Leonardo Mouramateus, já obtive uma enorme gama de sensações, mas pela primeira vez um filme seu me deixou completamente perdido sobre o que sentir; e o fez de uma maneira deliciosa. Um filme sobre tantas coisas quanto a imagem comporta, O Completo Estranho é, literalmente, o encontro da plasticidade neon com o chiaroscuro em sua forma mais clássica. Um choque embalado por dance music noventista.
2 - Redemption
3 - Person to Person
4- Gigante
5 - Encantada do Brega
6 - Quinze
8 - O Bom Comportamento
9 - Abandoned Goods
10 - A Caça Revoluções

-Melhor Ator
Jake Gyllenhaal (O Homem Duplicado)
Nada posso comentar sobre a festejada performance de Jake no recente O Abutre, já que deliberadamente atrasei sua sessão para 2015, mas antes disso ele já havia me encantado de uma maneira muito estranha no emaranhado que é O Homem Duplicado, adaptação de Denis Villeneuve para o livro homônimo de José Saramago -com pitadas de O Ano da Morte de Ricardo Reis, outro ótimo trabalho do romancista. A semelhança temática com O Duplo, de Richard Ayoade, prejudicou as carreiras de ambos, mas este aqui se sobressai, especialmente por conta da performance de Jake com o homem que descobre seu doppelganger ao assistir um filme e passa a escorregar numa espiral de insanidade. Pode ser que esteja melhor em seu mais recente filme, mas raras vezes esteve em tão boa forma.
2 - Antoine-Olivier Pilon (Mommy)
3 - Macon Blair (Blue Ruin)
4 - Gérard Depardieu (Bem-Vindo a Nova York)
5 - Ralph Fiennes (O Grande Hotel Budapeste)

-Melhor Atriz
Marion Cotillard (Era Uma Vez Em Nova York/Dois Dias, Uma Noite)
Quando eu já não esperava nada mais encantador de Marion Cotillard que sua performance delicada no maravilhoso Era Uma Vez Em Nova York de James Gray, o filme que ela fez com os irmãos Dardenne surge para carimbar um momento muito especial na carreira da francesa. Laureada com o Oscar por uma interpretação que até hoje não me convenceu bem, Marion infelizmente não vai receber a merecida atenção por estas duas personagens. Próximas em sua maneira proativa e desassombrada de encarar o mundo, Ewa e Sandra são mulheres comuns, jogadas em situações de dor e humilhação, que hesitam, quase sucumbem, mas se mantêm de pé para provar seu poder e valor. Duas belas histórias, contadas perfeitamente por um rosto encharcado de expressão.
2 - Anne Dorval (Mommy)
3 - Scarlett Johansson (Sob a Pele)
4 - Robin Wright (O Congresso Futurista)
5 - Rosamund Pike (Garota Exemplar)

-Melhor Ator Coadjuvante
Robert Pattinson (A Caçada)
É algo chocante aceitar isso, mas das melhores coisas presentes em A Caçada, a performance de Robert Pattinson certamente figura nos lugares mais altos. Longe da inexpressividade pela qual ficou tão famoso entre adolescentes histéricas, Pattinson compõe perfeitamente um rapaz insano para além de sua delibidade mental, que parece uma tradução visual precisa do que é viver num outback distópico e ainda mais selvagem.
2 - Joaquin Phoenix (Era Uma Vez Em Nova York)
3 - Antonio Fagundes (Quando Eu Era Vivo)
4 - F. Murray Abraham (O Grande Hotel Budapeste)
5 - Ethan Hawke (Boyhood)

-Melhor Atriz Coadjuvante
Patricia Arquette (Boyhood)
Eu figuro na lista das pouquíssimas pessoas que não conseguiram embarcar de fato na viagem sentimental de Boyhood. É inegável que Richard Linklater fez um pedaço memorável de cinema, mas durante toda sua duração eu -e o filme também- me via muito mais interessado na linda figura da mãe. Arquette, que merece tanto reconhecimento quanto receber, é a verdadeira força de cada pedaço da história daquela família, e a maneira como ela amadurece enquanto mulher, mãe, e profissional é absurdamente tocante.
2 - Suzanne Clément (Mommy)
3 - Carrie Coon (Garota Exemplar)
4 - Melanie Lynskey (Um Novo Começo)
5 - Mia Wasikowska (Amantes Eternos/Mapa Para as Estrelas)

-Melhor Diretor
Jonathan Glazer (Sob a Pele)
A cada vez que resolve sair de seus grandes hiatos, Jonathan Glazer aparece com um filme estranho, inclassificável e deliciosamente hipnótico; mas nenhum de seus trabalhos anteriores tem a dimensão de Sob a Pele. Adaptado por Glazer e Walter Campbell do livro homônimo de Michael Faber, esta é uma experiência única de cinema. Bebendo de fontes tão difusas quanto Kubrick, Roeg, e Lynch, o diretor inglês criou algo próprio, que não se escora em referências ou citações para ser um curioso estudo sobre o ser humano.
2 - James Gray (Era Uma Vez Em Nova York)
3 - Abel Ferrara (Bem-Vindo a Nova York)
4 - David Fincher (Garota Exemplar)
5 - Joe Swanberg (Um Novo Começo)

-Melhor Roteiro
Jim Jarmusch (Amantes Eternos) / Ari Folman (O Congresso Futurista)
Os filmes de Jarmusch e Folman parecem muito distantes, mas convergem em seu apreço na crença em mundo que não é este em que vivemos. Seja ele habitado por vampiros intelectuais, ou uma eterna ilusão ultra colorida, é fato que as ideias presentes nesses dois textos são muito pessoais, e caras a quem as maquinou; mesmo no caso de Folman, que adapta a história de Stanislaw Lem, existe muito da personalidade estética dele naquelas imagens. O cinema que cria em cima de sua própria invenção é dos que mais merece ser reconhecido.
2 - David Michôd (A Caçada)
3 - Jonathan Glazer e Walter Campbell (Sob a Pele)
4 - Xavier Dolan (Mommy)
5 - Javier Gullón (O Homem Duplicado)

-Melhor Montagem
Kirk Baxter (Garota Exemplar)
Barney Pilling (O Grande Hotel Budapeste)
Matthew Hannam (O Homem Duplicado)
Gareth Evans (Operação Invasão 2)
Joe Swanberg (Um Novo Começo)

-Melhor Fotografia
Daniel Landin (Sob a Pele)
Natasha Braier (A Caçada)
Darius Khondji (Era Uma Vez em Nova York)
Yorick Le Saux (Amantes Eternos)
Ivo Lopes Araújo (Quando Eu Era Vivo)

-Melhor Trilha
Sob a Pele
Muito simples: Sob a Pele seria um filme absolutamente diferente caso a trilha sonora de Mica Levi não estivesse lá. As dissonâncias e tempos estranhos de cada uma das músicas compostas pela inglesa Mica Levi são parte vital da atmosfera criada por Glazer, e preenchem a imagem com organicidade invejável.
2 - Mesmo Se Nada Der Certo
3 - Sinfonia da Necrópole
4 - Encantada do Brega
5 - God Help the Girl

-Melhor Música
Lost Stars (Mesmo Se Nada Der Certo)
Numa Nova York tão naturalmente agridoce como esta do Mesmo Se Nada Der Certo de John Carney, terminar um filme deixando a protagonista absolutamente livre de amarras e pronta para seguir sua vida é algo que pode beirar a fábula, mas o custo a que essa liberdade chega é a verdadeira fonte de beleza da cena, do momento, e principalmente da música nesta sequência. Reprisada por Adam Levine numa versão muito mais pop do que aquela pensada pela personagem de Keira Knightley momentos antes, Lost Stars é um canto sobre decepção, mas também sobre esperança. Pode soar algo exagerado, mas poucas vezes o cinema capturou tão bem essa sensação quase inexplicável de estar vivo, e feliz com essa condição. Tivesse que escolher, esta seria a cena mais bonita do ano.
2 - Canção dos Caixões (Sinfonia da Necrópole)
3 - Ryan's Song (Boyhood)
4 - Sister Rust (Lucy)
5 - A Serpente da Noite (Quando Eu Era Vivo)

-Melhor Videoclipe
Chet Faker - Gold
Não há verdadeira concorrência para o que Chet Faker e Hiro Murai constroem aqui. É claro que a plasticidade, e especialmente nos casos de M.I.A. e Mac DeMarco, uma personalidade pulsante são fatores que agregam muito ao poder que um videoclipe pode emanar, mas Gold é uma combinação tão assustadoramente econômica de escapismo, devaneio pop e pesadelo, que consegue resumir o sentimento das letras e vozes de Faker através de ferramentas tão inusitadas quanto três patinadoras que desbravam o desconhecido através de sua performance. Um deleite.
2 - Sharon Van Etten - Your Love Is Killing Me
3 - M.I.A. - Double Bubble Trouble
4 - Mac DeMarco – Passing Out Pieces
5 - Hercules & Love Affair – I Try To Talk To You

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