A Culpa é das Estrelas



A Culpa é das Estrelas é cinema de precisão cirúrgica, e quando digo isso não estou me referindo a uma maneira kubrickiana de se fazer filmes, em que luz, som e atores deviam estar em níveis neuroticamente controlados para que o diretor se desse por satisfeito, mas sim à maneira como todos os aspectos do filme gritam indústria, mecanicidade, e uma infelicidade soturna, que nada tem a ver com aquela tristeza que o filme tenta retratar, e que resvala muito mais na ideia de que o cinema, enquanto produto, raramente vai conseguir se aproximar das emoções que, por exemplo, o já citado Kubrick consegue exalar num espectador. Eu vi De Olhos Bem Fechados uma única vez a alguns anos, e talvez ainda consiga descrever boa parte de suas cenas; vi A Culpa é das Estrelas três dias atrás, e ele já está se decompondo em algum lugar do meu subconsciente. E antes que alguém venha a aventar a questão, a comparação é perfeitamente cabível; ambos são filmes.

Derivando do estrondoso sucesso editorial que foi o sexto livro do americano John Green, famoso também pelo canal VlogBrothers que mantêm no youtube com seu irmão, o filme de Josh Boone preenche um punhado de requisitos para ser ‘o-filme-evento-da-temporada': para além de ser a adaptação de um texto que deixou adolescentes em prantos por meses a fio, está lá também a atriz jovem e bonita em franca ascensão, o galã quase desconhecido com pose de bad boy, os nomes consagrados fazendo pontas especiais, a trilha sonora indie mas com bandas conhecidas para não causar muita estranheza, uma narração em off para deixar extremamente claro que aquela personagem tem grande consciência de si mesma, e por fim, uma facilidade bastante cínica ao abraçar as dificuldades da protagonista sem jamais adicionar um verdadeiro conflito, para além daquilo que já seja esperado.

Falando nela, uma performance de Shailene Woodley é sempre algo a ser delicadamente apreciado, mesmo quando o filme não explora totalmente suas capacidades. A exemplo do poder que se encontra no nível de seus olhos em Os Descendentes e The Spectacular Now -e mal se vê em Divergente-, o que a moça faz com as dores de Hazel Grace é louvável. Se o roteiro, como todo texto de mau romance, não consegue explicar o quê existe de apaixonante nela que justifique o encantamento do galã -interpretado pelo quase novato Ansel Elgort com uma aura de rebelde domado que o torna francamente desinteressante-, Woodley faz o que pode para manter Hazel ingênua, doce, sensível, mas nunca idiotizada. A garota tem plena consciência de sua doença e limitação, mas como boa adolescente está sempre burlando uma regra aqui e ali -sem jamais tirar seu duto de oxigênio, o que os realizadores do projeto acreditam ser um grand statement pra alguma coisa-, e genuinamente sofrendo com as consequências disso.

Talvez seja a maneira estratégica com a qual o filme pontua esses bons momentos -que variam da descoberta do amor à uma incompreensível viagem para a Europa-, e os usa como simples ponto de apoio para jogar o espectador em armadilhas de “sofrimento”, que façam com que o filme de Boone perca muito de sua potência. Por muitas vezes as lágrimas saem, afinal somos todos humanos, mas pensar que garotas de 15 anos acreditam naquela dor como algo verdadeiro e pungente é quase revoltante. Toda a sinceridade de A Culpa é das Estrelas está em um rosto; se ele se esconde, o golpe fica muito claro.


A Culpa é das Estrelas (★★½)
Josh Boone, Estados Unidos, 2014

IMDB ROTTEN KRITZ FILMOW