Quando a Noite Cai em Bucareste ou Metabolismo


- Um rolo de filme dura em média 11 minutos ou O Desprezo -

- Adaptado de texto originalmente publicado no site do sexto Janela Internacional de Cinema do Recife, como parte da oficina Janela Crítica.

Metabolismo é, em uma de suas várias camadas de compreensão, um filme sobre a requintada banalidade da feitura cinematográfica. Quando nos introduz à seu recorte de história através de um diretor e sua atriz discutindo sobre como o suporte digital e a oportunidade de estender a duração do plano modificaram as possibilidades de construir um filme, Porumboiu oferece espaço para que o metalinguístico aconteça, mas não como um artifício ou uma atração; não parece uma maneira de se tornar autoconsciente ou rascunhar um diálogo político, mas sim uma maneira de se colocar, como um humano, frente à sua concepção da arte, e forçar-se à compreendê-la em sua totalidade.

A condução algo cansativa desse passeio, acorrentados à imagem de dois personagens que, como nós, observam o trânsito de Bucareste com nenhum interesse enquanto teorizam sobre a longevidade do plano é um dos momentos mais sublimes e enervantes de consciência fílmica já filmados. Ainda em seu terceiro longa, o romeno -e quase todos os bons realizadores de sua terra, é verdade- fazem filmes que, na falta de melhor analogia, são como a música do Daft Punk: mergulhos intensos em microuniversos que, à beira de se perderem em seus próprios regimentos de ritmo e estilo, dão lugar a um outro universo tão intricado quanto o anterior, e assim sucessivamente, até o ápice que nunca chegará.

Em dado momento, os já citados personagens tentam ensaiar aquilo que parece ser um momento sem grande importância para seu filme dentro do filme; e no entanto, uma relação quase sadomasoquista de entrega e dúvida vai surgindo em paralelo, e por fim toma conta de toda a tela. A atriz busca entender o que seu diretor deseja, enquanto ele se diverte com a dúvida de não saber o quê realmente deseja extrair dela, tendo a condição de rei daquele minúsculo ambiente em seu favor. Momentos como este, em que a a presença de um corpo no espaço -e o desenrolar de seus gestos- se provam condição fundamental para a existência do filme, se multiplicam ao longo de Metabolismo; que curiosamente não tem o mesmo olhar humanista que os trabalhos anteriores de Porumboiu, mas é tão ou mais orgânico que eles.

O corpo visto por dentro, numa endoscopia, e o corpo visto de fora, numa sessão de maquiagem, encerram a caminhada minimalista com certa beleza asséptica e uma questão pulsante: Se a morte do cinema é, no fim das contas, a morte do corpo, vai ser impossível não encontrar resistência a este crime. Talvez seja uma homenagem ao ser cinéfilo, e eu aceito com muita alegria.

Quando a Noite Cai em Bucareste ou Metabolismo (★★★★★)
Corneliu Porumboiu, Romênia, 2013
IMDB ROTTEN KRITZ FILMOW