Um Brinde à Amizade


- Good things going on -

Depois de qualquer uma das muitas frases proferidas por alguma das personagens de Um Brinde à Amizade, um breve segundo de hesitação pode ser notado. É um universo gigantesco de dúvida, excitação e incoerência que habita aquela pequena pausa. Não fosse a compreensão dos longos anos de Joe Swanberg trabalhando desta maneira -leia-se ignorando a necessidade de roteiro, e incentivando seus atores para que digam literalmente o que lhes soar mais interessante- o filme poderia parecer um grande experimento em improviso e exercícios cênicos, mas na verdade estamos frente ao fim de uma longa e minuciosa pesquisa que se estende por mais de uma década, e agora acha nos atores conhecidos, locações planejadas e edição precisa, um contraponto saudável para a sua liberdade narrativa.

A construção segue aqui e ali os preceitos que fizeram do mumblecore uma das mais interessantes -e poucas- vertentes cinematográficas surgidas em inícios dos anos 2000, mas ao mesmo tempo o filme soa (em relação ao histórico de seu diretor) como um poema de despedida a seu passado de experimentalismo radical. No ano em que Andrew Bujalski fez Computer Chess e Greta Gerwig se uniu à Noah Baumbach para criar Frances Ha, desgarrando-se assim de alguns de seus interesses mais característicos: o apreço por uma fotografia sem qualquer rigor estético ou a vontade de permanecer distante do glamour cinematográfico que por si só já é tão americano, por exemplo, uma nova velocidade de pensamento parece ter sido implantada; ao menos para esses autores, ser minúsculo só pelo prazer de sê-lo não mais é suficiente, agora eles parecem querer ser minúsculos enquanto realmente comunicam alguma coisa.


A diferença pode ser notada muito claramente pois, em comparação ao início de sua carreira, onde a estrutura de trabalho era basicamente unir um grupo de amigos e atores amadores em uma casa e transformar aquela realidade em uma especie de reality show roteirizado, este aqui surge como um filme onde fotografia, som, e principalmente de direção de atores estão sempre em intrincada harmonia. E especialmente porque, pela primeira vez em muito tempo, e ainda que ignorando a roteirização, Swanberg distribui sua trama de maneira clássica em três atos, desenvolve arcos dramáticos, e opta por usar rostos conhecidos do público; este último ponto quase como uma pequena perversão, uma prova infantil de que o preço pago ao trabalho de um ator, em Hollywood ou qualquer outra grande indústria, está sempre mais ligado aos contornos de seu rosto do que a seu alcance dramático.

O maior exemplo aqui é talvez a impecável performance de Olivia Wilde. Encaixotada por muitos anos em superproduções estéreis e séries de tv genéricas, a moça surge com a força que sempre atribuíram a ela pelas razões erradas, ao mesmo tempo em que sua vulnerabilidade -pessoa e personagem- transborda por todos os cantos da tela. A cena em que ela e Jake Johnson discutem e brigam é uma pequena pérola, um momento tão intenso de simbiose entre ator e personagem que fica difícil não acreditar que aquela rusga não é verdadeira – o que a propria Wilde confirmou em entrevista, citando sua preocupação em ligar para Johnson se certificando de que estava tudo bem entre os dois. Talvez tenha sido a magia do cinema em ação, ou talvez a destruição dessa magia, encantando através do choque, mas o fato é que Um Brinde à Amizade foi o melhor filme de 2013. Espero que Swanberg entregue também o melhor de 2014, e tantos anos subsequentes.

Um Brinde à Amizade (★★★★★)
Joe Swanberg, Estados Unidos, 2013

IMDB ROTTEN KRITZ FILMOW