Sobrenatural: Capítulo 2


- Depois de horas -

Existe um motivo muito simples para o sucesso que os últimos trabalhos de James Wan alcançaram junto à público e crítica que, em maior ou menor grau, pode ser resumido em sua inegável consciência cinematográfica. Num gênero tão brutalizado pela exposição gratuita de corpos e sangue sem qualquer apreço pela linguagem, Wan usa ferramentas básicas como o diálogo entre plano e contra-plano, o zoom e contra-zoom, jogos de luz e cor, travellings, e todas essas coisas que denotam imediatamente a sensibilidade do seu realizador, já que na Hollywood de hoje, é uma raridade encontrar alguém que dirige ‘filmes de cinema’. Sobrenatural: Capítulo 2 começa exatamente do ponto onde o cativante e assustador filme anterior parou -inclusive, a utilização da cartela de abertura do filme parece ser uma brincadeira com esta ideia de “capítulo” já que aparece rapidamente, como fosse o início de uma novela ou seriado de tv. A família de Rose Byrne e Patrick Wilson segue atormentada por espíritos -que parecem saídos de um trem fantasma, de tão primária que é a sua concepção- e apesar das forçadas de barra para conectar os dois pontos da história, este capítulo 2 continua fazendo o que o anterior foi tão certeiro em alcançar: assustar.

Sim, Wan continua usando os ‘jump scares’, aqueles sustos que chegam através do aumento súbito de volume na cena, mas tudo que está envolvido é belamente pensado. Especialmente neste aqui, o uso pontual da cor vermelha na arte me remeteu a Delírio de Loucura, de Nicholas Ray, que de certa maneira também trata de um chefe de família perturbado por uma influência externa, e que passa a aterrorizar sua própria família, ainda que de maneira muito mais terrena. Por falar em citações, Wan consegue recriar, por exemplo, a famosa cena de O Iluminado em que Jack Nicholson destrói a porta em busca de uma apavorada Shelley Duvall, e apesar de fazer uma citação visual óbvia, jamais soa ridículo, tamanha é a crença que ele tem em sua apropriação.

É importante realçar que, apesar de toda a segurança que transparece, Sobrenatural 2 não é um filme livre de falhas. Pelo contrário, aliás. Assim como no anterior, e em grande parte da carreira do diretor -que está atrelada à carreira de seu parceiro de escrita, Leigh Whannell-, o terço final do filme descamba para um combo de excessos e atalhos para explicar o que foi adiado durante toda sua duração, e nesse aqui, faz pensar se havia verdadeira necessidade de sua existência. Se no primeiro volume havia certo charme, causado especialmente pelo resgate desse cinema ‘spooky’, desse filme de assombração americana que perdeu sua veia clássica com a chegada de Atividade Paranormal e afins, isso já não existe mais.

A vibe de estar embarcando num trem fantasma bem produzido continua intacta, mas isso já não é novidade, especialmente porque o próprio time já criou o ótimo Invocação do Mal, que continua fresco na memória, evidenciando tudo que esse aqui poderia ter sido, e não foi. James Wan avisou que esta foi sua última incursão no terror, e que agora vai se dedicar à filmes de ação, começando pela franquia Velozes e Furiosos. Tratando-se de um realizador que criou Jogos Mortais e abdicou da direção das sequências por não concordar com os rumos patéticos e puramente econômicos que o estúdio forçava ao filme, é obviamente uma perda notável para o cinema de horror. Em tempo: Sobrenatural 3 já começou a ser escrito por Whannell; Wan não tem qualquer ligação com o projeto.

Sobrenatural: Capítulo 2 (★★★)
James Wan, Estados Unidos, 2013

IMDB ROTTEN KRITZ FILMOW